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Philip Poole estrategista-chefe de investimentos: “A era do dinheiro abundante não acabou”

Autor(es): Cláudio GRADILONE – Isto é Dinheiro – 16/09/2013

O economista inglês Philip Poole, estrategista global de investimentos da empresa de gestão de fundos do HSBC, é um observador privilegiado dos mercados internacionais

Por sua mesa, no escritório do número 78 da St. James”s Street, no centro de Londres, passam diariamente as decisões para investir os US$ 425 bilhões em ativos que o banco administra. Poole se diz menos pessimista do que seus pares ao analisar os prognósticos para os países emergentes. Segundo o economista, os países com bons fundamentos econômicos e que oferecerem um ambiente favorável aos investidores não terão problemas em atrair capital para seus projetos. Duran­te sua recente visita ao Brasil, ele conversou com a DINHEIRO:

DINHEIRO – Uma das principais preocupações do mercado, que vêm afetando as taxas de câmbio e os preços das ações ao redor do mundo, é o comportamento do Federal Reserve (Fed, o banco central norte-americano). O que o sr. acha que o Fed fará nos próximos meses?

PHILIP POOLE – O comportamento do Federal Reserve dependerá profundamente da economia dos Estados Unidos. A expectativa é de que o banco central americano reduza, ainda em setembro, sua injeção mensal de recursos. Atualmente, o Fed injeta US$ 85 bilhões no sistema financeiro americano todos os meses, e os prognósticos são de que esse número cairá para US$ 75 bilhões. No entanto, só será possível saber qual será o seu comportamento quando houver mais clareza sobre alguns indicadores econômicos.

DINHEIRO – Quais, por exemplo?

POOLE – A inflação e o desemprego, que é o mais importante deles. Atualmente, esse indicador está em 7,3%. É um número menor do que os 7,8% registrados em agosto do ano passado, quando o Fed anunciou essa etapa do afrouxamento monetário, mas ainda é um patamar elevado. Acho pouco provável que o desemprego nos Estados Unidos recue abaixo de 6,5%, um patamar que justificaria uma alta dos juros.

DINHEIRO – E quanto à inflação nos países desenvolvidos?

POOLE – Atualmente, o mais preocupante é a deflação, uma queda sistemática de preços que vem ocorrendo em algumas economias, como a do Japão. Se isso ocorrer, como Ben Bernanke, o presidente do Fed, vem enfatizando, então os juros nos Estados Unidos vão parar de subir e o fim da expansão monetária será adiado. Embora o Fed não tenha elevado os juros referenciais, o mercado fez um ajuste sozinho. Não podemos nos esquecer de que as taxas avançaram significativamente nos últimos meses. Os títulos de dez anos do Tesouro americano, por exemplo, que pagavam 1,7% ao investidor no início do ano, atualmente estão pagando mais de 2,7%. Pode parecer pouco, mas com isso faltou pouco para as taxas duplicarem. Foi esse movimento que provocou toda a turbulência nos mercados emergentes em julho e agosto.

DINHEIRO – A desvalorização do real em relação ao dólar e a queda da bolsa brasileira, por exemplo?

POOLE – Sim, e não apenas do real. Outras moedas na Ásia, como a rúpia indiana, sem falar no iene japonês e no rublo russo, perderam muito valor em relação ao dólar. A alta das taxas americanas drena recursos dos países emergentes para os Estados Unidos e, como era de se esperar, altera as taxas de câmbio. Esse movimento foi intenso no início do terceiro trimestre, em parte pela alta das taxas, em parte por uma antecipação, pelo mercado, desse movimento. Algo semelhante ocorreu com as ações. Mais do que a retirada de recursos internacionais, a perspectiva de uma saída mais ampla dos bancos centrais dos mercados fez os investidores venderem ações preventivamente.

DINHEIRO – Durante muitos anos, a prosperidade dos países emergentes e a alta dos preços dos ativos foram sustentadas pela abundância de dinheiro barato. Isso acabou? Qual será o impacto dessa mudança na estratégia do Fed?

POOLE – A era do dinheiro abundante não acabou. O impacto do fim da expansão monetária americana será menor do que o mercado teme. As pessoas prestam atenção apenas à política monetária expansionista do Fed, mas não dão a importância necessária ao fato de que há outros bancos centrais fazendo seus próprios programas de estímulo à economia. O impacto dessas decisões está muito além do campo de atuação do Fed.

DINHEIRO – Quais são as mais importantes?

POOLE – O melhor exemplo é o do Japão. O Banco do Japão anunciou, no início de agosto, que vai injetar US$ 1,4 trilhão na economia, comprando US$ 46 bilhões em títulos públicos todos os meses. Na ponta do lápis, o tamanho desse programa equivale a 85% do trabalho do Fed. Apesar de o impacto da política econômica japonesa em outros países ser bem mais restrito do que o dos Estados Unidos, essa injeção de dinheiro novo deverá estimular economias emergentes e também os vizinhos da Ásia. E esse não é o único exemplo de afrouxamento monetário: também há movimentos semelhantes do banco da Inglaterra e do Banco Central Europeu.

DINHEIRO – Como o sr. vê os prognósticos para os países emergentes? Prosperidade ou recessão?

POOLE – Penso que os mercados financeiros, em todo o mundo, estão caminhando para uma situação de normalidade, com os juros americanos voltando para o terreno positivo. Vivemos uma situação de juro zero ou juro negativo nos Estados Unidos durante vários anos. Isso teve um impacto profundo sobre todas as demais economias, distorcendo os preços das commodities e dos mercados acionários. Agora, com essa normalização, os investidores vão voltar a avaliar os países de acordo com seus fundamentos econômicos e serão mais seletivos.

DINHEIRO – Acabou a tolerância, então?

POOLE – Exatamente. A tendência, a partir de agora, é de que os investidores sejam menos tolerantes com países que demoraram para fazer sua lição de casa, que estejam com déficits em suas contas ou que não tenham avançado nas reformas estruturais. Em termos líquidos, a saída de recursos dos países emergentes em direção às economias desenvolvidas deverá continuar durante algum tempo. Por isso, os mercados permanecerão voláteis. Basta analisarmos o que ocorreu com as moedas em julho e agosto. A maior volatilidade no mundo emergente foi registrada com a rúpia. Isso não foi um acaso. Dentre os BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), a Índia é o país com o maior desequilíbrio em transações correntes. Algo semelhante ocorreu na Indonésia.

DINHEIRO – A China é o parceiro comercial mais importante do Brasil. Como ela será afetada nesse novo cenário?

POOLE – O desempenho dos mercados de commodities globais sempre será muito dependente do que vai ocorrer com a China. O crescimento chinês vai perder o ritmo chinês, mas continuará muito mais acelerado do que o crescimento europeu ou do que o americano por muitos anos ainda. O ajuste do mercado a essa nova situação tem provocado muita incerteza e muita volatilidade nos preços, mas esse é um fenômeno que ocorrerá apenas no curto prazo. O governo chinês está reforçando seu mercado interno, o que permitirá um crescimento mais estável, e isso é bom.

DINHEIRO – E o Brasil? Como vai ficar nesse novo cenário?

POOLE – A situação do Brasil está melhor do que a de outros países emergentes. O crescimento econômico depende de três fatores principais: aumento da oferta de mão de obra, aumento do capital disponível e avanço tecnológico. O Brasil está razoavelmente bem nesses quesitos. Apesar da desaceleração do ano passado, a economia brasileira continua crescendo, o mercado de trabalho está aquecido, o que garante o consumo, e os investimentos continuam chegando, mesmo que em um ritmo menos intenso. Além disso, o Brasil continuará sendo beneficiado pela China, pois, apesar da mudança do perfil econômico chinês, há uma grande complementaridade entre os dois países.

DINHEIRO – Não há riscos?

POOLE – Há, sim. O governo brasileiro não avançou nas reformas. Ao contrário, ele foi na direção oposta, de maior controle e aumento da intervenção estatal. Isso representa uma postura menos pragmática, mais distante de um mercado livre. Com algumas variações, foi o que ocorreu em países como Índia, África do Sul e Turquia. O resultado é uma deterioração do equilíbrio entre inflação e crescimento que vinha sendo mantido há vários anos. Todos esses são fatores que afastam o capital e podem ser prejudiciais em um ambiente de investidores mais seletivos.

DINHEIRO – O Brasil está mal?

POOLE – Não. Se olharmos os preços das ações brasileiras, nós notamos que há um equilíbrio em relação à média dos últimos cinco anos. Isso ocorre com a China e com a Rússia: as empresas, quando avaliadas pela relação preço/lucro dos papéis, não estão muito longe das médias. Esse é um bom indicador, pois ele elimina as distorções das taxas de câmbio. A exceção é a Índia, onde a queda do mercado acionário fez com que as empresas estivessem muito baratas. Ou seja, apesar do movimento mais acelerado de curto prazo, não é possível notar uma fuga sistemática e estrutural das ações brasileiras. O que mais preocupa os investidores é o crescimento do déficit em transações correntes e a desaceleração do crescimento, especialmente quando pensamos que viveremos em um mundo de commodities mais baratas. No entanto, o Brasil conta com uma oferta abundante de mão de obra e um mercado consumidor bastante desenvolvido. Assim, este é um momento de ajuste, mas está longe de ser uma crise estrutural.