Home » Publicações » Economia » Reservas do Tesouro caem a nível crítico

Reservas do Tesouro caem a nível crítico

Correio Braziliense – 31/07/2013

Desconfiança de investidores obrigou o governo a resgatar quase R$ 130 bilhões em títulos no primeiro semestre deste ano. Do dinheiro guardado para enfrentar emergências, teria sobrado menos de R$ 95 bilhões em caixa.

Dívida pública: Tesouro usa R$ 128,8 bi das reservas

O caixa que o Tesouro Nacional mantém para enfrentar emergências no mercado de títulos está no chão. Com o elevado volume de dívidas que venceu no primeiro semestre do ano e a fuga de investidores dos papéis públicos entre abril e junho, uma parte considerável dessa reserva de segurança, quase R$ 130 bilhões, foi queimada. A instituição não revela os números, mas fontes garantem que teriam sobrado menos de R$ 95 bilhões no caixa, nível considerado crítico, por corresponder a pouco mais de dois meses de vencimento de papéis — o ideal é que esse colchão de liquidez seja de seis meses.

Integrantes da equipe econômica alertam que esse valor não garante tranquilidade ao governo para administrar a dívida, sobretudo se o Federal Reserve (Fed, o banco Central dos Estados Unidos) cumprir a promessa de dar fim ao programa de estímulos monetários naquele país, o que pode reduzir drasticamente o apetite dos investidores por títulos brasileiros.

A aversão aos papéis foi tão grande no primeiro semestre que os resgates de dívidas superaram as emissões em R$ 128,8 bilhões — um recorde para o período. Nem mesmo nas crises de 2002, com os temores provocados pela primeira eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e de 2008, quando estourou a bolha imobiliária norte-americana, houve tamanha fuga de títulos públicos. Quando uma quantidade tão elevada de investidores se desfaz dessas aplicações, cresce o volume de dinheiro em circulação na economia e, consequentemente, a chance de a inflação subir. Para evitar esse risco, o Banco Central enxuga o excesso de recursos por meio de operações chamadas de compromissadas. Em junho, elas chegaram a R$ 638 bilhões.

Apesar do drástico encolhimento do colchão de liquidez, uma ala do governo sustenta que não há motivos para preocupação. “O problema é sazonal. Parte disso pode ser explicada pela volatilidade do ano. Não está dentro da planejado, mas está sob controle”, disse um técnico da equipe econômica. “É normal reduzir esse colchão em fechamento de semestre. Daqui para a frente, haverá só colocação líquida (resgates inferiores às emissões)”, projetou.

Para os especialistas, além dos sinais emitidos pelo Fed, há uma enorme desconfiança dos investidores em relação às contas públicas, devido aos truques contábeis sancionados pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, e pelo secretário do Tesouro, Arno Augustin. Não à toa, o mercado vem exigindo prêmios cada vez maiores para ficar com papéis do governo. Esses prêmios representam juros maiores para a União. Os resgates elevados mostram que os investidores não querem financiar o Tesouro, a não ser que ele ofereça condições melhores, o que o governo não aceita. Isso é um sinal ruim.

Carlos Kawall, economista-chefe do Banco J. Safra e ex-secretário do Tesouro, observou que o fim do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) para estrangeiros que aplicam em papéis públicos deve amenizar a situação do Tesouro e ajudar a recompor o colchão de liquidez. Mas a composição da dívida deve ser afetada, reduzindo seu vencimento. “Pode ser necessário colocar um pouco mais de Letras Financeiras do Tesouro (LFT). Em situação de estresse, o mercado fica mais confortável com esses papéis, que são indexados à taxa Selic”, explicou.

Analistas observam que, em tempos de alta dos juros — desde abril, a taxa básica saltou de 7,25% para 8,50% ao ano e pode subir ainda mais —, é natural que haja uma maior procura por LFTs. Para eles, o Tesouro terá de ser render à nova realidade macroeconômica, de crescimento baixa e expectativas ruins. Nesse contexto, não há espaço para melhorar o perfil da dívida.

Intervenção
Em junho, diante da falta de apetite dos investidores pelos títulos públicos, o Tesouro realizou três operações simultâneas de compra e venda de papéis, o que não ocorria desde 2010. Com isso, tentou estimular a retomada do mercado secundário, que, entre abril e maio, ficou praticamente paralisado. No jargão dos analistas, essas operações são classificadas como leilões de spread (ou de diferencial de taxas), porque o Tesouro atua nas duas pontas, comprando e vendendo. No mês passado, elas serviram para turbinar o caixa público com R$ 31,7 bilhões — a diferença entre vendas e compras.

Mesmo com esse incremento, a conta única do Tesouro, que inclui recursos para pagamentos de salários e outras despesas da Esplanada, vem caindo desde dezembro de 2012. Naquela época, a conta única era de R$ 620,4 bilhões. Em janeiro, o saldo caiu para R$ 525,3 bilhões. Em junho, chegou a R$ 520,1 bilhões.