Por: Rubens Augusto de Miranda e João Carlos Garcia – Pesquisadores da área de economia agrícola da Embrapa Milho e Sorgo
O surto de gripe aviária que infectou e matou pessoas no sudeste asiático há uma década voltou com um quadro ainda mais alarmante. O vírus da influenza H5N1, o principal causador da mais grave gripe aviária até o momento, nunca deixou de ser um risco, pois todos os anos ainda são contabilizados casos com uma taxa de mortalidade superior a 50%. O problema é o surgimento das novas cepas de vírus da gripe A, provenientes das aves.
Dentre estas, merece destaque o novo vírus H7N9, que se espalha de aves para humanos mais facilmente que o H5N1. Os primeiros casos relatados de infecção humana com o H7N9 foram relatados na China em 31 de março de 2013. Três semanas depois, a Organização Mundial da Saúde (OMS) já tinha registrado 104 casos, com 21 mortes.
Em 2014, somente entre janeiro e meados de março, foram contabilizados 226 casos e 72 mortes. Ainda que o H7N9 seja menos letal do que H5N1, sua transmissão parece mais explosiva, se espalhando com maior facilidade.
Outro motivo de grande preocupação é o fato de o novo vírus ser menos patogênico às aves, logo elas não ficam doentes, não eliminando o transmissor. Enquanto a presença do H5N1 é revelada pela dizimação das aves doentes, o vírus H7N9 se espalha silenciosamente, demandando testes mais elaborados para sua detecção em populações aparentemente saudáveis de aves.
Onde entra o milho nessa história? As aves são um dos maiores consumidores de milho no mundo. O milho é um dos principais insumos na produção de ração para a criação de aves, e também suínos. Considerando-se especificamente a China, o país é o segundo maior produtor de carne de frango do planeta, produzindo 13,5 milhões de toneladas em 2013, ficando atrás apenas dos Estados Unidos, que produziram quase 17 milhões de toneladas. Assim, as consequências adversas de um grande surto de gripe aviária sobre a produção chinesa de aves podem ter desdobramentos sobre o milho no Brasil, por efeitos indiretos.
Ao considerarmos que as aves são importantes consumidoras de milho, uma eventual redução da sua população para controle da doença deve diminuir a demanda doméstica de milho na China, ou seja, diminuirá o consumo e as importações. Apesar de a China ter importado 2,7 milhões de toneladas de milho na safra 2012/13 e de existir uma projeção de importação de 5 milhões de toneladas em 2013/14, segundo o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA), a quantidade de milho comprado do Brasil ainda é irrisória, 80 mil t em 2012 e 48 mil t em 2013. Assim, os cortes nas importações chinesas do cereal não terão impactos diretos sobre as exportações brasileiras de milho grão. Entretanto, excedentes advindos de uma eventual redução na exportação deste grão para a China por outros países (Estados Unidos, por exemplo) devem aumentar a oferta internacional e a competição por outros mercados.
Por outro lado, o Brasil pode exportar milho indiretamente para a China com a venda de frangos. Nos últimos anos, a China importou uma média de 250 mil toneladas de carne de frango e terá que comprar mais para satisfazer sua demanda interna, frente à redução na oferta. O Brasil é o principal candidato a preencher essa lacuna, pois o país é o maior exportador de carne de frango do mundo, com vendas externas na faixa de 3,5 milhões de toneladas em 2013.
O recuo na demanda chinesa de grãos por causa da gripe aviária tem criado confusão no mercado global da soja, outro importante insumo de rações. Isso porque, frente ao cenário anterior de otimismo, o país asiático tem encontrado dificuldades em receber todo o volume contratado, pois os portos e armazéns estão lotados.
O resultado são cancelamentos, esquemas de triangulação (com reenvio para os EUA) e calotes. Considerando que a China responde por dois terços do mercado internacional da soja, a situação atual deve impactar negativamente os preços da oleaginosa, algo que só não aconteceu ainda por causa dos baixos estoques dos Estados Unidos, que inclusive estão importando soja do Brasil.
Uma eventual “sobra” de soja no mercado internacional e a consequente redução de preços podem impactar a área plantada na safra verão no Brasil, no sentido de que o tradicional dilema soja ou milho pode pender favoravelmente a este último. São tantos os efeitos indiretos da gripe aviária na China sobre o mercado de grãos que é difícil avaliar toda a dimensão do que vai acontecer. Primeiramente, é preciso saber qual será a duração desse surto, como será controlado e quais as implicações antes de qualquer conclusão.
Apesar disso, no momento podemos refletir sobre a coerência da máxima que afirma que “cautela e canja de galinha não fazem mal a ninguém”, pois a canja pode ser chinesa. Brincadeiras à parte, a prudência é um elemento que tem faltado às autoridades chinesas na condução das dificuldades com as diferentes cepas de vírus de gripe A. O problema é a quantidade abusiva de medicamentos aplicada pela indústria de aves na China, pois há indícios de que tais excessos tem tornado esses vírus cada vez mais resistentes. O H7N5, por exemplo, tem apresentado resistência ao Tamiflu, importante antiviral utilizado no tratamento de gripes do tipo A. Segundo o IATP (Institute for Agriculture and Trade Policy), a China utiliza 8 vezes mais antibióticos na produção animal que os EUA, mesmo produzindo menos. O objetivo dessa imprudência é de alavancar o crescimento da produção para satisfazer a crescente demanda interna. Se a resistência a medicamentos veterinários já é um problema sério nos EUA, o que dizer da China?