Um dos grandes questionamentos na atual conjuntura agrícola é sobre o que está acontecendo com os preços do milho. A escalada impressionante dos preços do cereal, aumento superior a 70% desde junho de 2015, surpreende e levanta a pergunta sobre o que pode frear seu valor.
A intuição que normalmente se tem dos mercados agrícolas é de que safras recordes resultam em preços baixos e que as quebras provocam alta nos preços. O problema é que essa percepção consiste numa meia verdade, que só se verifica quando a demanda permanece relativamente estável frente às grandes oscilações da oferta.
A última projeção da Conab aponta que a segunda safra de milho de 2015/16 deve ultrapassar os 55,3 milhões de toneladas – o que supera o então recorde de 54,6 milhões de toneladas do ano anterior. Apesar de que, no agregado, a safra total (primeira e segunda safras) deva ser ligeiramente inferior àquela colhida em 2014/15. De qualquer forma, mesmo assim, colheríamos, segundo essa projeção, a segunda maior safra da nossa história, um ano após a maior.
Analisando apenas essas informações rapidamente, imaginamos um mercado inundado de milho e com preços muito baixos. Mas a realidade é que está faltando milho e os preços médios no país em meados de março de 2016 são 25% maiores que o mês de maior pico da crise de 2012/13, quando o cereal ficou em falta no mundo todo em decorrência da quebra da safra dos EUA. Essa situação destoa do resto do mundo, pois no mercado internacional, dada as boas condições de oferta, o preço do milho está em baixa, custando menos da metade do que chegou a valer no auge da crise da safra 2012/13.
Se não bastasse situação atual ser ainda melhor do que há três anos, em termos de cotação e produção, a depreciação cambial cria um cenário ainda mais surreal para o produtor de milho. Muitos produtores estão faturando mais com o milho do que com a soja, o que pode ter reflexos sobre a safra verão de 2016/17.
Assim, para entender o atual comportamento dos preços do milho é preciso olhar a demanda pelo cereal. O ano de 2015 foi de recordes nas exportações, quando foram embarcados quase 29 milhões de toneladas do grão, e 2016 tem se mostrado ainda mais promissor. Em janeiro e fevereiro de 2016, já foram embarcados 9,8 milhões de toneladas, quantidade 129% superior aos 4,30 milhões de toneladas exportadas no mesmo período de 2015.
Devemos agradecer aos países asiáticos por esse resultado, onde apenas as importações do Japão, Vietnã, Coreia do Sul, Taiwan, Malásia e Indonésia alcançaram 6,17 milhões de toneladas ou cerca de 63% do montante exportado nos dois primeiros meses de 2016. Nisso, merece destaque a retomada das vendas ao Japão, após um ano de 2015 fraco no comércio de milho para este país. Nos dois primeiros meses de 2016, já foram exportados para o Japão uma quantidade três vezes superior ao embarcado em todo o ano passado.
A situação dos preços do milho brasileiro é tão boa que em Mato Grosso, principal estado produtor, mais de 60% da safra a ser colhida em meados de 2016 já foi comercializada antecipadamente em março. Na mesma época nas safras anteriores tínhamos os seguintes percentuais: 42% em 2014/15; 5,4% em 2013/14 e 20,1% em 2012/13. Ou seja, além dos recordes de produção e preços, a comercialização também é recorde na principal região produtora.
Concomitantemente ao acréscimo das exportações de milho, o consumo doméstico também vem aumentando. Segundo a Conab, o consumo interno do cereal crescerá 2,25 milhões de toneladas na safra 2015/16, chegando a 58,4 milhões de toneladas.
A maior demanda por milho, tanto externa como interna, somada a uma oferta relativamente estável, resultam na diminuição dos estoques. Todos esses elementos agindo simultaneamente resultam, como não poderia deixar ser, na atual escalada de preços do cereal. A Conab tem tentado dirimir parte do problema com leilões dos seus estoques reguladores. Entretanto, os estoques da Conab totalizavam apenas um milhão de toneladas em 22 de março de 2016, o que dá pouca margem de manobra para o Governo, mesmo com a liquidação total do milho estocado.
Infelizmente, nem tudo são flores, na atual conjuntura. Se de um lado os produtores de milho estão rindo à toa, do outro lado temos os setores de consumo do cereal que são negativamente afetados pelos preços exorbitantes. O setor de carnes, aves e suínos principalmente, não consegue repassar ao consumidor final o aumento dos custos dos insumos, tendo que absorver assim grande parte do prejuízo. Os preços no estado de Mato Grosso estão tão exorbitantes que dificultam consideravelmente a indústria de etanol feito com milho e que começava a tomar forma no Estado. Dependendo de como os altos preços persistirem essa indústria nascente, que se viabiliza a partir dos preços baixos do milho produzido em regiões mais distantes das regiões de consumo ou dos portos, pode simplesmente sumir do mapa.
Talvez a soja, a principal antagonista (no verão) e parceira (no inverno) do milho possa frear os preços do cereal. Isso porque em março, historicamente, os embarques da soja começam a ganhar vulto nos portos brasileiros e, por consequência, as exportações de milho despencam, voltando a ganhar força a partir de julho. Assim, o término dos grandes embarques do milho da safra 2015/16 devem segurar os preços. Em meados do ano será colhida a safra 2016/17 no hemisfério norte e daí teremos uma nova história.
Por: Rubens Augusto de Miranda – Pesquisador da área de economia agrícola da Embrapa Milho e Sorgo.
Fonte: Boletim Informativo do Centro de Inteligência do Milho – Ano 8 – Edição 79 – Março de 2016.