Rubens Augusto de Miranda e João Carlos Garcia
Pesquisadores da área de economia agrícola da Embrapa Milho e Sorgo
Há anos se propala que um rápido crescimento das importações de milho da China alçará o país ao posto de maior comprador deste cereal no mundo. Acontece que até então a China vem frustrando essa expectativa a cada nova safra, com substanciais aumentos da produção doméstica. Mas alguns fatos podem mudar esse quadro.
Recentemente, em agosto, o Ministro da Agricultura do país, Han Changfu, fez um anúncio importante em entrevista publicada no site do Ministério da Agricultura Chinês. Segundo ele, o país irá gradualmente expandir as importações de milho. Han Changfu justificou que “o crescimento do consumo de carnes, ovos e laticínios elevou a demanda por grãos para ração”, assim como “a expansão da indústria do processamento do milho também precisa de mais milho”.
O que intriga nesse comunicado do ministro chinês é o contraste com o seu próprio discurso em 2012, na apresentação do novo plano quinquenal, quando ele afirmou enfaticamente que a China continuaria autossuficiente na produção de milho, e que essa cultura não seguiria o caminho da soja, estratégia pela qual o país optou por ser grande importador. Na ocasião, Han Changfu afirmou que sustentar uma elevada taxa de autossuficiência em grãos seria uma contribuição do país à segurança alimentar no mundo.
No que tange às compras externas, a China tem uma política restritiva em relação à importação de grãos, estipulando cotas inferiores a 5% do consumo doméstico. A questão é que a soja não está incluída na regra de importação de 5%. Segundo dados do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA), na safra 2013/14, o país asiático produziu menos de 17% da soja que consumiu, sendo responsável por quase 63% das importações mundiais, com 59 milhões de toneladas compradas. Vale lembrar que na primeira contabilização que o USDA fez da safra chinesa de soja, em 1995/96, o país produzia mais de 95% do que consumia. Daí a importância da discussão se o milho seguirá ou não o caminho da soja no mercado chinês. Analistas de mercado já indicavam o aumento das importações chinesas de milho, mas o governo chinês não admitia isso publicamente, por isso a ressonância do anúncio de Han Changfu.
Segundo a agência de notícias Reuters, um alto funcionário do Ministério da Agricultura da República Popular da China disse, em anonimato, que a busca de autossuficiência do país na produção de alimentos não é mais possível, por causa do grande aumento de demanda causado pela rápida urbanização. O problema é que a autossuficiência na produção de alimentos é um dos principais pontos da agenda política do Partido Comunista. De acordo com o último Censo, realizado em 2010, mais da metade da população chinesa vive no campo, ou seja, mais de 650 milhões de pessoas. Para evitar distúrbios em tamanho contingente populacional, o governo tem distribuído subsídios aos produtores rurais. Entre as prioridades do desenvolvimento agropecuário elencadas no décimo segundo plano quinquenal, anunciado no último mês de julho, há a preocupação com as taxas de retorno da agricultura e com a renda dos produtores. Segundo o governo chinês, o valor adicionado da agricultura, silvicultura, pecuária e pesca deverá aumentar 5% ao ano no período do plano, e a renda líquida per capita dos residentes em áreas rurais deve crescer em média 7% ao ano. A partir dessas projeções, espera-se uma redução considerável da pobreza rural.
Os esforços de modernização e estímulo da produção que permitiram nove sucessivas safras recordes de grãos podem não ser suficientes, pelo menos no que se refere ao milho, e o discurso do ministro Han Changfu pode estar indicando isso – e os próprios dados sinalizam nesta direção. Segundo o USDA, entre a safra 2004/05 e o projetado para a safra 2013/14, a produção de milho aumentou 62%, passando de 130 milhões de toneladas para 211 milhões. Apesar do acréscimo considerável, a produção não está acompanhando o ritmo de aumento do consumo doméstico, que alcançará 71% de crescimento no período, e deverá atingir a marca de 224 milhões de toneladas em 2013/14. Esse mesmo comportamento também é observado na soja, cuja produção, no mesmo período, diminuirá quase 30% e o consumo aumentará 96%. Por outro lado, culturas tradicionais e importantes, como o arroz e o trigo, apresentaram acréscimos menores na produção, mas superiores ao aumento de consumo. Ou seja, o crescimento da produção e do consumo das principais culturas da alimentação humana é menor do que o observado nas culturas proteicas, dirigidas ao consumo animal. Essas informações só corroboram o argumento de que a população chinesa está demandando mais proteína animal, comendo mais carne, e o consumo de arroz, base da alimentação da população, está se mantendo estável. Isso é resultado do desenvolvimento econômico que o país vem conquistando nas últimas décadas, que ocasionou um processo de urbanização acelerada (o país tem mais de 200 cidades com pelo menos 1 milhão de habitantes) e restrições de novas áreas cultiváveis (nos dados da FAO, a área plantada com cereais na China diminuiu entre 1990 e 2012).
Nesse cenário, caso o milho siga o caminho da soja, em um futuro não muito distante, podemos estar falando de importações chinesas de milho na casa das dezenas de milhões de toneladas. No início do ano, o USDA já havia aumentado as suas projeções de importações chinesas de milho para a próxima década. Infelizmente, somente no ano que vem veremos a repercussão desses anúncios nas novas projeções. Por isso, apesar da atual baixa dos preços do milho no mundo, decorrente das safras recordes, há um entendimento de muitos analistas de uma tendência de preços altos, de forma sustentável, no futuro. E o que isso tudo isso representa para o Brasil? As compras chinesas podem, simplesmente, ser a solução do escoamento do milho brasileiro.