Home » Publicações » Agronegócio » Entendendo a alta dos preços do milho em 2014

Entendendo a alta dos preços do milho em 2014

Por: Rubens Augusto de Miranda e João Carlos Garcia (Pesquisadores da área de economia agrícola da Embrapa Milho e Sorgo).

 

Situação Mundial

Após um ano de 2013 com safras recordes de milho em todo o globo e a consequente baixa nos preços decorrentes disto, era de se esperar um recuo na produção do cereal no presente ano. Nesse sentido, as informações que chegam de instituições oficiais confirmam esse cenário. A prévia doprimeiro relatório oficial do USDA (Departamento de Agricultura dosEstados Unidos) para a próxima temporada, divulgada no final de fevereiro, indica que deve ocorrer uma diminuição da área cultivada com milho em 1,38 milhões de hectares nos Estados Unidos. A área de plantio desse cereal deve baixar de 38,1 milhões para 37,23 milhões de hectares.

Concomitantemente à redução da área do milho, a soja deve ampliar a sua área plantada nos EUA em 1,21 milhões de hectares, passando de 30,96 milhões para 31,17 milhões de hectares. Esses números indicam uma expansãoda área da oleaginosa sobre as áreas cultivadas com o milho, conclusão também expressada pelo economista chefe do USDA, Joe Glauber. É importante visualizar, também, que, caso a safra brasileira reduza muito as suas projeções, em razão das condições climáticas que se verificaram em algumas regiões produtoras de soja no verão, haverá um incentivo ainda maior para o produtor americano plantar mais soja na próxima safra.

A recente crise na Ucrânia, além de suas implicações sobre a geopolítica mundial, poderá ter grandes impactos no comércio internacional de milho, pelo menos no curto prazo. Na safra 2013-14, o país colheu uma safra recorde de 30,8 milhões de toneladas de milho. O impacto desse resultado é potencializado pelo fato de a Ucrânia ser um dos grandes players do mercado mundial deste cereal, abastecendo o mercado europeu e asiático. Em 2014, a Ucrânia já vinha enfrentando dificuldades para escoar a grande safra de milho por problemas de transporte decorrentes do seu rigoroso inverno. Outro fato relevante é a crise interna que o país enfrenta: além de depor o presidente, ainda teve parte do seu território anexado pela Rússia. Apesar disso, há relatos de que o escoamento de milho ainda não foi afetado pela crise. Segundo o governo ucraniano, apenas 7% dos embarques do país são feitos a partir da Crimeia, cujo volume exportado pode ser absorvido por outros portos ucranianos, como Odessa, Ilyichevsk e Nikolaev.

Há também reflexos indiretos da crise ucraniana a serem considerados. O mercado de carne suína tem sentido diretamente os efeitos da crise. As importações de carne suína pelo país praticamente pararam nesse início de ano, o que é particularmente relevante para o Brasil, pois a Ucrânia respondeu por 14,58% da receita brasileira de exportações de carne suína em 2013. Considerando que o mercado de suínos é o segundo maior consumidor de milho no Brasil, há o impacto no mercado doméstico do cereal com a diminuição das compras externas de carne.

 

Situação Interna

 

Assim como nos Estados Unidos, o milho no Brasil perdeu espaço para a soja. Na safra de verão, a área do cereal caiu 5,1% e da oleaginosa aumentou 7,1%, segundo os dados da Conab. Em termos absolutos, a maior redução foi ao redor de 200 mil hectares no Paraná, 23,7% da área com milho no Estado, no verão de 2013/14. A redução da área, aliada ao clima ruim, que afetou a produtividade em alguns estados, resultou na diminuição da produção de milho no verão em 9,1%. Em outras palavras, produziram-se 3 milhões de toneladas a menos na primeira safra, em relação ao mesmo período na safra 2012/13.

Os baixos preços do milho no final de 2013, momento de planejamento da segunda safra de 2013-14, também fizeram o cereal perder espaço no inverno para o algodão, girassol e feijão no Centro-Oeste e para o trigo, feijão e canola no Paraná. Existem inclusive algumas posições de plantio da soja de inverno, o que é um contrassenso em termos agronômicos. Além deste plantio de soja nesta época ser inadequado em termos de rotação de culturas, a colheita deverá ocorrer no limiar do início do vazio sanitário. O resultado é que a redução de área do milho de inverno deve ser de 3,9% no Centro-Oeste e de 12,1% no Paraná, segundo os dados da Conab.

Se não bastasse a redução da área na segunda safra, a produtividade também poderá cair. Primeiro, porque, no planejamento do plantio ocorrido ainda em 2013, o produtor programou menores investimentos na lavoura por causa do baixo preço do milho e do alto preço dos insumos. Segundo, por causa do clima adverso enfrentado pelo país nesse verão. Chuvas excessivas em algumas regiões e estiagem em outras atrasaram o plantio do milho. Somente em Mato Grosso, mais de 800 mil hectares devem ser plantados fora da janela ideal de plantio da segunda safra. A implicação desses fatos é, logicamente, a queda de produtividade. A média nacional deve ficar, portanto, abaixo dos 5.188 kg por hectare obtidos no ano passado

Concomitantemente à queda da produtividade, tem se observado também a perda de qualidade do grão por micotoxinas, pelos mesmos motivos climáticos. Tais problemas de qualidade têm levado a indústria do milho a recusar vários lotes do cereal, e também acarretado aumento de custos de monitoramento. Cabe ressaltar também que tal problema pode impactar diretamente as exportações, pois lotes podem ser recusados por problemas fitossanitários.

Esse cenário de incertezas tem sido um campo fértil para a especulação.  Somente em Lucas do Rio Verde, Mato Grosso, entre 14 de fevereiro e 14 de março, o preço da saca de milho passou de R$ 14,00 para R$ 18,81.  Um aumento de 34% em apenas um mês. Caso consideremos a variação em 2014, o milho no município, que estava cotado em R$ 12,60 na virada do ano, já sofreu uma variação de 49%. Os preços atuais, não apenas no Mato Grosso, mas em várias regiões do Brasil, estão no mesmo patamar de março de 2013, quando ainda refletiam a quebra da safra americana.

Por fim, a despeito dos grandes estoques brasileiros do cereal, o cenário atual de alta nos preços do milho sinaliza uma preocupação com o abastecimento doméstico e mundial no segundo semestre de 2014. De agora em diante, é interessante ficar de olho no desenrolar do conflito na Ucrânia, na contabilização dos prejuízos da safra brasileira de verão, no início do plantio norte-americano e na condução da segunda safra no Brasil.