Por: Rubens Augusto de Miranda e João Carlos Garcia – Pesquisadores da área de economia agrícola da Embrapa Milho e Sorgo
Recentemente, iniciou-se a colheita de milho 2013/14 nos Estados Unidos e a expectativa feita pelo seu Departamento de Agricultura (USDA) é de uma safra recorde. Caso confirmado, esse recorde não ocorrerá sem alguma dose de incerteza.
A atual safra americana de milho passou por uma série de percalços, que ainda levantam dúvidas sobre o seu desempenho. Para começar, o milho não foi plantado no período considerado ideal, pois houve atraso decorrente do inverno prolongado, com geadas e nevascas. Apesar do aperto da janela de plantio, a área plantada de milho nos Estados Unidos foi a segunda maior da história: 39,4 milhões de hectares, superada apenas pelos 41,2 milhões de hectares plantados em 1936.
Além do atraso inicial, as lavouras de milho nos Estados Unidos passaram a se defrontar com a seca. Segundo a comitiva da Aprosoja Brasil, que esteve recentemente nos EUA para acompanhar o andamento da safra, os produtores do estado de Iowa relataram que desde 1983 não tinham um clima tão irregular. O estado de Illinois, um dos maiores produtores de soja e milho, também tem enfrentado um dos meses de agosto mais secos de sua história. A tendência, entretanto, é de que esse déficit hídrico tenha maior influência sobre a produtividade da soja do que sobre a produtividade de milho.
Após esses eventos, era de se esperar um declínio na expectativa da safra de milho americana. No entanto, em setembro, o USDA aumentou a previsão de rendimento médio nacional de 9,69 t/ha para 9,75 t/ha, causando um aumento de 2 milhões de toneladas na projeção da safra, passando para 351,6 milhões de toneladas. O argumento do Departamento de Agricultura foi de que acréscimos de produtividade nas Planícies Centrais e do Sul mais do que compensaram os prejuízos observados em Iowa, Dakota do Norte e Illinois.
A despeito da incerteza em relação à colheita nos EUA, há um entendimento no mercado de que a produção de milho será recorde no país e no mundo em 2013/14. Tal nível de produção não apenas permitirá alçar os Estados Unidos novamente ao posto de maior exportador mundial, como possibilitará o retorno dos estoques ao nível próximo de 2005/06, com quase 50 milhões de toneladas.
De acordo com o USDA, a produção mundial deve alcançar 956,67 milhões de toneladas no próximo ano agrícola, um acréscimo de 11,23% em relação ao colhido em 2012/13. Por isso, os preços, após terem despencado mais de US$ 2,00 o bushel (US$ 78,73 por tonelada) no transcorrer de julho, devem continuar abaixo de US$ 5,00 o bushel (US$ 196,84 por tonelada) nos próximos meses, até a definição das safras no Hemisfério Sul e das primeiras informações da provável área a ser plantada nos EUA.
Situação Interna
Ao contrário dos Estados Unidos, no Brasil já se sabe que a safra foi recorde. Assim, as interrogações relacionam-se ao que fazer com tanto milho! Para entendermos a gravidade da situação, comparemos os cenários do mercado do milho em 2012 e 2013.
Segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), a safra de milho em 2011/12 foi 27% maior do que a de 2010/11, passando de 57, 4 milhões de toneladas para quase 73 milhões de toneladas. Esse aumento na produção foi compensando pelo acréscimo nas exportações, que dobraram e alcançaram o recorde de 19,77 milhões de toneladas, e pelo acréscimo de 3 milhões toneladas no consumo interno de milho. Esses aumentos na demanda fizeram com que os estoques de passagem diminuíssem quase 2%, iniciando a atual safra em 5,87 milhões de toneladas.
Na safra 2012/13, novamente ocorreram modificações na oferta e na demanda de milho. Mas, dessa vez, de forma inversa. A produção de milho aumentou 11,4%, ultrapassando 81 milhões de toneladas. Só que a demanda externa diminuiu e as exportações podem ficar abaixo de 18 milhões. Por sua vez, a demanda interna, que também é afetada pelo setor externo via exportações de carnes, permanecerá relativamente estável. O resultado é que a Conab projeta estoques de passagem na ordem de 18 milhões de toneladas, sobra de uma safra de grãos de um ano para o seguinte, acréscimo superior a 200% em relação ao ano anterior.
A consequência imediata de tudo isso são as baixas cotações da saca de milho, com uma média nacional na casa dos R$ 20,00 em agosto e setembro. O caso mais grave é o do Mato Grosso, que, com uma produção recorde de quase 20 milhões de toneladas, passou a ser o maior produtor de milho do País, ultrapassando o Paraná. Como o estado do Mato Grosso não é consumidor do grão, precisa escoar o milho para outros estados e, principalmente, outros países. Acontece que a grande disponibilidade de milho no Brasil e no mundo tem dificultado isso.
A média das cotações no estado tem ficado no patamar de R$ 10,00 a saca, mas importantes praças como Sorriso e Lucas do Rio Verde já estão em R$ 8,00 a saca. Adicionalmente, o preço mínimo estabelecido para 2013/14 gerou descontentamentos, pois o valor de R$ 13,52 a saca é inferior ao estipulado para os seus vizinhos de Goiás e Mato Grosso do Sul, com R$ 17,67. Outra insatisfação com o preço mínimo estabelecido para o estado é que o mesmo estaria abaixo dos R$ 16,39 referentes aos custos de produção por saca para a próxima safra, segundo anunciado recentemente pelo presidente da Aprosoja, Carlos Fávaro.
Por fim, produtores e consumidores (indústria de carnes) aguardam ansiosos o resultado final da safra americana, que definirá exatamente os ganhadores e os perdedores. Mas, ao que tudo indica, os consumidores já podem ser felicitados. Os produtores de milho no Centro-Oeste devem reavaliar o sistema de produção soja-milho safrinha para a safra 2013/14. Apesar de ser um sistema de produção positivo, é preciso levar em consideração os 18 milhões de toneladas de milho nos estoques de passagem.
O problema é que grande parte desses estoques deverão ficar no Centro-Oeste, apesar da fragilidade da infraestrutura de armazenagem, que vem utilizando silos bag como solução paliativa. De qualquer forma, não basta esperar que a inércia resolva o problema do milho. O produtor precisa tomar decisões levando em conta que o governo nem sempre estará presente com uma política de preços mínimos satisfatória.