Por: Rubens Augusto de Miranda e João Carlos Garcia, pesquisadores da área de Economia Agrícola da Embrapa Milho e Sorgo
Estamos nas vésperas da definição da safra americana, com o início do período de polinização. Após um começo desanimador, pelo atraso no início do plantio (resolvido por uma demonstração de competência e capacidade dos agricultores americanos, que plantaram 14 milhões de ha em uma semana), a situação está se encaminhando para uma safra recorde. Entretanto, sempre é possível um desastre (basta recordarmos da safra passada), mas as perspectivas são muito favoráveis e, a princípio, as apostas otimistas estão vencendo as pessimistas. A tradução mais literal desta situação foi a queda de mais do que US$ 1,00 por bushel na virada da semana entre os dias 12 e 15 de julho.
Essa queda desenha um novo possível patamar de preços ao redor de US$ 5,00 por bushel (algo como R$ 200,00 por tonelada), vindo de preços ao redor de US$ 6,50 por bushel (aproximadamente R$ 250,00 por tonelada) que se verificaram desde o mês de abril. Caso não ocorra nada de trágico (tal como altas temperaturas no período de polinização, seca no enchimento dos grãos ou geadas precoces), este patamar pode se situar em valores entre US$ 4,4 e US$ 5,20 por bushel (estimativas preliminares do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos da América, o USDA, para o ano comercial 2013/14). O USDA acredita que parte considerável deste aumento de produção será utilizada para a recomposição dos estoques dos EUA, com uma menor recuperação das quantidades exportadas por este país (que devem atingir cerca de 31 milhões de toneladas).
Essa quantidade exportada resulta num market-share muito inferior ao patamar histórico do país, acima de 50%. Este menor crescimento das exportações é um caso de “destruição da demanda”, quando um fornecedor perde clientes importantes quando se mostra incapaz de atendê-lo (como aconteceu no último ano). Vários países descobriram o potencial de atendimento representado por outros fornecedores de milho e estes passam a ser alternativas viáveis (o problema para os novos fornecedores é se manter como confiáveis). Vide o caso brasileiro, que “roubou” 20% do mercado japonês dos EUA na safra 2012/13, mercado este que, além de ser o maior comprador, tradicionalmente é um domínio norte-americano.
As boas notícias, em termos de abastecimento, não se limitam aos Estados Unidos. Na Argentina, no dia 18 de julho, o Ministério da Agricultura revisou a estimativa de colheita neste ano para cerca de 32 milhões de toneladas (com mais de 90% da área já colhida). Esta produção, 50% superior à do ano passado, abre a possibilidade de exportação de 21 milhões de toneladas (na safra passada, a Argentina exportou 16,7 milhões de toneladas).
Na Europa, a situação está normal, e a Ucrânia planeja colher a maior safra de milho da história (cerca de 26 milhões de toneladas, liberando 16,5 milhões de toneladas para a exportação, segundo o USDA).
Se agregarmos essas às informações acerca da safra brasileira, teremos no mercado internacional uma boa briga entre quatro competidores com um cacife individual comparável. Do lado da demanda, apenas a eterna e não realizada promessa da transformação da China em um grande importador de milho. A razão disso é que os agricultores chineses têm conseguido fazer com que a produção acompanhe o crescimento exponencial do consumo de milho. A pergunta é até quando isso será possível. Anos de preço de milho nas alturas incentivaram o aumento da produção nos diferentes países, onde isto é possível, e o mercado internacional de milho se mostra com crescimento reduzido.
O resultado final pode ser um novo ambiente para a produção de milho. É pouco provável que países que nos últimos anos aperfeiçoaram os seus sistemas de produção do cereal, aumentando a sua eficiência, e também melhoraram a sua infraestrutura de transporte desejem voltar à incerteza de sua situação anterior de importadores de milho. Isto reduz a parcela do milho consumido mundialmente que passa pelo mercado de exportação/importação. Competitividade passa a ser o nome do jogo.
Situação interna
No Brasil, os preços continuam descendo a ladeira, em função da grande safra que estamos terminando de colher, e se situando na faixa entre R$ 10,00 e R$ 23,00 por saco, refletindo as diferenças regionais de comercialização. Com o avanço da colheita da safrinha, os recordes de produção que estão ocorrendo em Mato Grosso reduziram as perspectivas de qualquer reação dos preços. Em regiões consumidoras cujo abastecimento é beneficiado por este milho barato (tais como Uberlândia, MG), os preços já se situam abaixo dos verificados em 2011 e de 2012 (que nesta época já haviam iniciado sua recuperação, em função da quebra da safra americana). Em regiões consumidoras do milho produzido na safrinha do Paraná, o produto que está entrando no mercado está conseguindo empurrar os preços para baixo, ou mantê-los relativamente estáveis em estados consumidores, como Rio Grande do Sul e Santa Catarina.
Duas regiões são motivos de preocupação a partir de agora por motivos diferentes: o estado de Mato Grosso e os estados do Nordeste. O primeiro, pelo excesso de milho, e o Nordeste, por causa do segundo ano de frustração de safra.
No caso de Mato Grosso, já foram iniciadas as ações do governo federal, nas quais se inserem o Prêmio para Equalização de Preços ao Produtor (Pepro) ou de subvenção ao frete (PEP) que visam equalizar o custo de escoamento da produção para regiões com déficits de oferta de milho. Estão previstos também contratos de opção de venda (que garantem ao produtor o preço de R$ 13,02 por saca). O problema é que frente à baixa demanda estadual estes instrumentos podem não ser suficientes para gerenciar o escoamento de uma safra estadual que se estima seja superior a 18 milhões de toneladas, segundo a Conab (a quantidade colhida de milho nas últimas três safras no Mato Grosso foi de 7,2 milhões de toneladas; em 2011, depois 15,25 milhões e agora 18,6 milhões). Como é provável que a competição no mercado internacional seja ferrenha, é possível que tenhamos problemas até o início da colheita da soja, no início de 2014.
Do outro lado temos a situação difícil prevista para mais um ano nos estados do Nordeste. A produção regional deve ser de apenas 4,7 milhões de toneladas, um crescimento de apenas 354 mil toneladas em relação à safra do ano passado, o que não se configura em alívio significativo para o abastecimento do Nordeste. Mais uma vez será necessário o transporte de milho de outras regiões.
Sobre as exportações, essas começaram a se incrementar a partir do mês de julho, com a diminuição dos embarques de soja e a entrada do milho de segunda época. Existem informações de exportações de 408 mil toneladas até a terceira semana de julho, quase o dobro do que foi exportado em todo o mês de junho de 2013. Como as colheitas nos EUA e na Ucrânia ainda levarão alguns meses para chegarem com toda força aos portos, termos um pequeno intervalo para escoar parte do excesso de produção de milho. Daí para frente, os quatro grandes jogadores vão medir forças no mercado e quem for melhor levará vantagem.
Após um crescimento dramático no consumo de milho decorrente da produção de etanol (que agora mostra sinais de estabilização) e de três safras afetadas principalmente por condições climáticas nos EUA, podemos estar presenciando o delineamento de um novo panorama para o milho no curto ou até mesmo no médio prazo. A situação de preços na estratosfera, que viabiliza a produção com níveis não tão elevados de eficiência, pode estar terminando e um novo patamar de eficiência produtiva pode estar se definindo como necessário para a sustentabilidade econômica da produção.