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O custo da inércia

Por Luciana Seabra | De São Paulo (Valor Econômico – 19/03/2014)

Dez fundos DI e de renda fixa com patrimônio superior a R$ 100 milhões renderam mais dinheiro aos gestores do que aos investidores em 2013. Essas carteiras, com taxa de administração que chega a 5%, reúnem patrimônio de R$ 16,4 bilhões e um total de 929.245 cotistas. A gestão desses fundos, em geral recheadas de títulos públicos, é simples. Entre os argumentos dos gestores para ficar com uma fatia maior do que a que cabe ao aplicador, porém, estão a comodidade do resgate automático e o sorteio de prêmios.

O levantamento foi feito pela Vérios, dona do site Comparação de Fundos, com base em dados da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima) sobre fundos DI e de renda fixa, acessíveis ao investidor, e com mais de R$ 100 milhões em ativos. Para cada um desses fundos, a Vérios simulou quanto um investidor teria líquido ao fim de 2013 se tivesse aplicado R$ 10 mil no começo do ano.

Para a carteira de taxa mais alta, um fundo DI do Santander com patrimônio de R$ 4,1 bilhões, o banco ficou com R$ 516 e o cliente ganhou R$ 264. Outros R$ 56 foram pagos pelo investidor em imposto de renda, considerada a alíquota de 17,5%, incidente sobre fundos de renda fixa para o prazo entre um e dois anos.

O retorno dos dez fundos listados pela Vérios, antes do desconto do imposto, variou entre 0,72% e 4,34% no ano, o equivalente a um percentual entre 9% e 54% do Certificado de Depósito Interfinanceiro (CDI), a principal referência para aplicações conservadoras. No mesmo período, para se ter ideia, a poupança antiga rendeu 6,37%, isentos de imposto de renda.

A taxa de administração média dessas carteiras é de 3,88% ao ano. “Esses são fundos de gestão simples, que em casas especializadas teriam taxa na ordem de 0,3% a 0,5%”, diz Daniel Ávila, sócio da Vérios, em referência a gestores independentes. A maior parte das carteiras cuja taxa de administração superou o ganho do investidor é gerida por bancos e oferecida principalmente a clientes de varejo.

A Vérios tem uma plataforma on-line de fundos, em que é possível comparar diferentes produtos. Desde janeiro um sistema gratuito permite consolidar a carteira. O cliente lança o valor, data de aplicação e nome de todos os fundos em que investe e o sistema atualiza a rentabilidade. “Cada vez mais a tecnologia vai permitir acesso a outros produtos. A grande barreira ainda é a questão da confiança. Os bancos de varejo são muito presentes no dia a dia”, diz Ávila.

Os fundos do Santander que aparecem no levantamento são uma opção para os recursos que vão ser usados ao longo do mês, entre o recebimento de um salário e outro, diz Aquiles Mosca, estrategista de investimentos pessoais da gestora do Santander. “Isso não é um fundo para as pessoas aplicarem suas reservas, ele tem um propósito muito específico, que é remunerar os recursos parados em conta corrente no curtíssimo prazo”, afirma.

Nesse tipo de fundo, caso também da carteira da BB DTVM e do Banestes, o cliente pode optar pelo resgate automático de recursos quando o dinheiro em conta corrente acaba. A aplicação automática, quando entram recursos em conta, não é permitida à pessoa física pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), mas funciona para a jurídica. O operacional desses fundos é intenso, para nunca deixar a conta no negativo, o que é custoso, diz Mosca. “Se o dinheiro ficasse parado em conta corrente ia render zero”, defende. No caso da poupança, seria preciso esperar um mês para que o retorno se efetivasse.

O fundo de renda fixa do Banestes, com patrimônio de R$ 660,8 milhões e taxa de administração de 4%, é voltado principalmente para investidores do setor público, com isenção de imposto de renda, segundo José Marcio Soares de Barros, diretor de administração de recursos de terceiros do banco. A possibilidade de resgate automático, diz, evita o custo de um funcionário controlando durante todo o tempo o saldo em tesouraria. “É uma comodidade de que o cliente não abre mão”, diz.

O Itaú Unibanco informou, em nota, que os fundos listados no levantamento, com patrimônio somado de R$ 665,5 milhões, não fazem mais parte da oferta de produtos para os clientes pessoa física e estão fechados para aplicação desde novembro de 2011. O banco afirma ter se preparado ao longo de 2011 e 2012 para uma economia brasileira de taxas de juros mais baixas. Desde o fechamento dos produtos, informa o banco, os fundos já perderam metade do seu patrimônio, com resgates de clientes para uso do recurso ou realocação em outros produtos, com taxas que variam de 2,5% a 0,50%.

O Bradesco respondeu em nota que o chamado Hiperfundo, com R$ 4,7 bilhões de patrimônio e taxa de 3,9%, “tem características de um produto diferenciado cujo apelo comercial não é apenas a rentabilidade mas, também, os sorteios de prêmios”.

Os sorteios, além do resgate automático, são também o mote da carteira de renda fixa da BB DTVM, fundo de maior patrimônio do levantamento, com R$ 5,2 bilhões em ativos sob gestão e taxa de administração de 3,8%. A gestão da carteira é simples, mas o custo operacional é alto, segundo a BB DTVM, devido à presença de cerca de 300 mil cotistas.

“Trabalhamos esse fundo no sentido de adequar as duas questões, para não ser absolutamente irracional enquanto investimento e ao mesmo tempo trazer uma atratividade interessante em termos de premiação”, diz Carlos Takahashi, presidente da BB DTVM. O fundo distribuiu, segundo ele, R$ 3,72 milhões em prêmios de R$ 1,5 mil a R$ 100 mil no ano passado. O investidor, diz, busca o produto pelo prêmio. “É da faceta do brasileiro gostar dessa questão associada a sorteio.” Em termos de rentabilidade, diz Takahashi, existem na própria casa produtos mais atrativos, como fundos DI e renda fixa com taxa de 1,5% para aplicação mínima de R$ 50.

O Banrisul decidiu não se manifestar sobre o assunto, enquanto Safra e Taboaço Nieckele Associdados não responderam aos contatos da reportagem.

“Cabe ao investidor fugir desses fundos de taxas muito altas, porque essa questão de misturar aplicação financeira com prêmios não costuma ser interessante para ele”, diz Bolivar Godinho, professor de Finanças da Fundação Instituto de Administração (FIA) e da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). O resgate automático também não é, na opinião dele, um motivo para aplicar nesse tipo de carteira. “Hoje você consegue fazer resgate de fundos DI pela internet com crédito no mesmo dia”, diz.

“Investimento não é brincadeira”, diz também George Wachsmann, sócio da GPS, que administra recursos de famílias de alto patrimônio. Ele defende que, no caso de fundos com prêmios e títulos de capitalização, o cliente seja muito bem orientado sobre o que é ofertado. “O prêmio parece muito mais uma forma de justificar uma taxa exorbitante”, considera. Para ele, na hora de selecionar um fundo, o investidor deve ser ainda mais exigente e comparar se o que fica com ele é maior do que o que é entregue ao gestor depois de descontado o referencial, como o CDI.

A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) informou em nota que as premiações, quando existentes, não podem ser encargos do fundo, já que não estão previstas no artigo 99 da Instrução 409. A autarquia considerou ainda que entende a taxa de administração como um preço de mercado. “Há muitas opções de fundos de investimento com baixas taxas de administração para os diversos públicos”, apontou. O que a regulação exige, completou, é um nível de transparência adequado para o investidor comparar, escolher, acompanhar e, eventualmente, mudar de aplicação.

Sobre as aplicações e resgates automáticos, Wachsman lamenta que os bancos deixem apenas fundos com taxa de administração elevada disponíveis nessa modalidade. É impossível vincular a conta corrente a um Certificado de Depósito Bancário (CDB), por exemplo, diz.

Está longe de ser tão confortável quanto um fundo com resgate automático, mas Wachsmann diz que a referência do investidor deve ser no limite a compra de uma LFT no Tesouro Direto, sistema de venda de títulos públicos à pessoa física pela internet. Em geral, é esse papel que os fundos DI compram. O título paga a taxa Selic e tem liquidez todas as quartas-feiras.

Uma alternativa mais simples é um fundo DI do mesmo banco, sem aplicação e resgate automático. No caso do Santander e da BB DTVM, por exemplo, há carteiras disponíveis com taxa de 1,5% para quem tem a disciplina de investir sozinho. Em plataformas independentes, como XP, Órama e Guide, há fundos com taxa inferior a 1% para aplicações iniciais baixas.

A taxa de administração média para fundos DI e renda fixa, segundo relatório da Anbima referente a janeiro, é de 0,73%. No caso de fundos de varejo, a taxa média do DI sobe para 1,17% e a das carteiras de renda fixa para 1,06%. O volume de recursos pesa. A taxa de administração média para um fundo DI com tíquete de entrada de até R$ 1 mil é de 3,28%. Já para tíquetes entre R$ 1 mil e R$ 10 mil, a taxa cai para 1,54%.