Vender ou não vender o milho, eis a questão
Rubens Augusto de Miranda e João Carlos Garcia – Pesquisadores da área de economia agrícola da Embrapa Milho e Sorgo
Toda pessoa ou instituição que se engaja em alguma atividade produtiva defronta-se com uma série de dilemas, como o que, quando e onde produzir. Tomada a decisão pela produção, e a consequente realização da mesma, em determinados setores, principalmente naqueles em que ocorrem uma grande variabilidade local e temporal dos preços, também é preciso decidir quando vender. No setor agrícola, a decisão de vender pode ser tão importante quanto a de produzir pelo simples fato de que não há certezas na agricultura. O setor industrial, por exemplo, tem sua produção pré-determinada, ou seja, com certa quantidade de insumos se produz certa quantidade de mercadoria. Na agricultura, esse cálculo aritmético não é possível, dado que existem inúmeros fatores imprevisíveis, pelo menos no momento da tomada de decisão de produzir, que podem afetar consideravelmente o resultado da safra. Por isso, os produtores, nos mercados agrícolas, jamais deixam de olhar o futuro. Nesse sentido, o produtor brasileiro de milho, principalmente o do Centro-Oeste, no momento atual é assolado pelo dilema de vender agora ou não sua produção. As razões disso não começam nesta safra, mas na anterior.
Os altos preços do milho no decorrer de 2011 e no início de 2012 induziram a opção dos produtores brasileiros por se plantar mais milho na segunda safra do ano passado. Acontece que tal decisão foi a mesma tomada pelos produtores norte-americanos, resultando em uma projeção recorde pelo Departamento de Agricultura dos Estados Unidos de 376 milhões de toneladas de milho. A história nos mostra que uma das maiores secas do último século nos EUA levou à quebra da safra em montante superior a 100 milhões de toneladas em relação ao projetado e 40 milhões de toneladas abaixo do colhido na safra anterior. Enquanto isso, o Brasil colheu a maior “safrinha” de milho da sua história, ultrapassando pela primeira vez a produção da safra verão.
Como os fatos anteriores afetaram o comportamento dos preços do grão de milho em 2012? Na safra colhida neste ano, a expectativa de supersafras norte-americana e brasileira passou a pressionar para baixo os preços em ambos os países. Nos EUA, a média dos preços caiu de U$280,66 a tonelada em abril de 2012 (pico dos seis meses anteriores) para a média de U$267,23 do mês de junho de 2012. Mas, com o delineamento da quebra de safra na ocasião, a média dos preços em julho de 2012 saltou para U$332,95 a tonelada, aumento de 24,59%. O comportamento dos preços do milho no Brasil não foi muito diferente: a média mensal dos preços do saco de grão no país caiu sucessivamente entre janeiro e maio de 2012, mas com a notícia do problema nos Estados Unidos os preços explodiram a partir de junho de 2012. Esse comportamento foi mais acentuado no estado do Mato Grosso, por ser predominantemente uma região produtora e não consumidora. Os preços da saca no estado despencaram entre março e abril, caindo de R$19,94 para R$14,95 nas médias mensais. Entretanto, as notícias do hemisfério Norte fizeram a média dos preços saltarem de R$14,95 em maio para R$19,16 e R$21,87 em junho e julho de 2012, respectivamente.
Cabe ressaltar que os meses de baixa dos preços tiveram pouco impacto sobre os rendimentos do produtor mato-grossense, pois, nesse período, as vendas antecipadas de milho ficaram congeladas. Segundo estimativas do Instituto Mato-grossense de Economia Agropecuária (Imea), até março de 2012, 45,6% da segunda safra projetada do MT já havia sido comercializada e esse indicador em maio ainda apontava para 47,8%. Entretanto, com a mudança de cenário e a possibilidade de exportação do milho excedente, o índice de comercialização saltou para 69,5% em julho e, em agosto, 88,2%. Ou seja, pouco se vendeu na baixa, esperaram e foram premiados.
A similaridade dos dilemas vividos pelos produtores de milho em 2013 e 2012 é surpreendente. Em ambos os anos, os altos preços do mercado estimularam o plantio em grandes áreas, levando também a projeções recordes. No Brasil, segundo estimativas da Conab, a área plantada na segunda safra de milho aumentou 1,33 milhão de hectares, um acréscimo de 17,5% em relação à safrinha anterior, sendo que 703 mil ha foram apenas no Mato Grosso, que aumentou a sua área de plantio em 26,6%. No que tange à produção, os acréscimos no país e no MT serão de, respectivamente, 11,5% e 19%. Nos Estados Unidos, a expectativa novamente é de supersafra, 359 milhões de toneladas, que, apesar de ser inferior ao que se esperava colher em 2012, ainda é 8% superior à maior safra já colhida no país. Assim como no ano anterior, a provável safra recorde já vem passando por alguns percalços, como o excesso de umidade que atrasou o plantio no mês de maio. Ainda é cedo para dimensionar a safra norte-americana, mas o problema inicial foi suficiente para o surgimento de interrogações.
Caso os cenários positivos se confirmem, os preços do grão no Brasil podem despencar, levando a situações gravíssimas em regiões que produzem e pouco consomem. Nesse sentido, segundo projeções da Agroconsult, os preços da saca de milho no Mato Grosso em janeiro de 2014 podem chegar a R$5,00. Considerando que o custo da saca de milho no estado fica entre R$ 11,00 e R$13,00, a confirmação da previsão da Agroconsult vai demandar um socorro do Governo Federal.
O produtor de milho, principalmente do Centro-Oeste, se vê na situação do clássico ditado “se correr o bicho pega, se ficar o bicho come”. Vendendo agora, consolidam-se as perdas, que podem aumentar com a espera de um momento mais “oportuno”, dado que o cenário futuro é mais pessimista do que otimista em termos de preços. A princípio, os produtores estão pagando para ver, pois o percentual de comercialização da safra está em apenas 36,2%, quando, no mesmo período de 2012, o índice estava em 54,5%, lembrando que nesta época a quebra de safra nos Estados Unidos ainda era apenas uma possibilidade. As cartas foram lançadas e, brevemente, conheceremos os vencedores e os perdedores.