Home » Publicações » Economia » Os problemas que geraram esta crise não foram resolvidos

Os problemas que geraram esta crise não foram resolvidos

Os problemas que geraram esta crise não foram resolvidos

Le Monde
Daniel Cohen

Em 15 de setembro de 2008, o banco de investimentos Lehman Brothers anunciou que iria declarar concordata. Como se acometida por um infarto, a economia mundial desabou. Mesmo em 1929 a queda havia sido menos brutal. Um ano passou. Em poucas palavras, os governos “fizeram o serviço”. O sistema financeiro foi salvo, a queda da demanda foi amortecida pelos déficits públicos. Os bons resultados registrados no segundo trimestre (retorno a um crescimento positivo na França, na Alemanha, no Japão…) certamente continuam frágeis: o esperado crescimento do desemprego, a perda de fôlego dos efeitos do incentivo à compra de carros novos reservam más surpresas…

Entretanto, parece estar certo que a crise de 1929 não se repetirá. Boa notícia, então. Mas a má notícia é que a crise atual não tem nada a ver com a de 1929. Ela não é uma crise do século 20 extraviada para o século 21: ela é a primeira crise da globalização. E, por essa medida, nenhum dos problemas que a criaram foi solucionado.

Recapitulemos. A crise atual nasceu de duas rupturas principais. A primeira data dos anos 1980: foi a revolução financeira que colocou a Bolsa no controle das empresas. Ela instituiu um novo modo de gestão. As firmas deixaram de ser organizações no sentido em que as entendíamos nos anos 1950 e 1960, favorecendo as carreiras longas e a lealdade dos funcionários. Elas agora visam a eficácia imediata. O bônus toma o lugar do tempo de casa como modo de gestão dos recursos humanos. Como Maya Beauvallet demonstrou de forma magnífica em seu livro “Les Stratégies Absurdes” [“As estratégias absurdas”, Ed. Seuil], as necessidades de performance imediata tendem a suplantar todas as outras. Desaparecem o cuidado do trabalho bem-feito e a lealdade à empresa, e só o objetivo estabelecido importa, independentemente das patologias que resultem dele…

A globalização foi a segunda ruptura que virou o mundo de cabeça para baixo. Ela permitiu que os países emergentes se industrializassem, o que produziu dois efeitos de sentido oposto: queda nos preços dos produtos industriais, e aumento no preço das matérias-primas. Graças a isso, as pessoas pagam cada vez menos por suas telas planas e iPods, e cada vez mais por suas despesas básicas: aquecimento, comida e transporte.

Nos anos 1970, a alta do petróleo havia prejudicado o crescimento, gerando um novo mal: a estagflação. Os funcionários exigiram e obtiveram aumentos para compensar o encarecimento da energia, provocando uma aceleração da inflação. Nos anos 2000, a inflação permaneceu sob controle. A queda dos preços industriais e a erosão do poder de negociação dos funcionários derrubaram a inflação salarial. Os excedentes da produção de petróleo não foram corroídos pela inflação, como nos anos 1970, eles vagaram pela economia mundial em busca de investimentos lucrativos.

Com essa tendência geral como pano de fundo, um problema adicional foi introduzido. Ele foi gerado especificamente pela China, grande exportadora de produtos industriais e consumidora fora do comum de matéria-prima. Esse país acrescentou um desequilíbrio a mais. Preocupado com sua ausência de proteção social, seu esperado envelhecimento, seus salários insuficientes, o país poupa muito, quase 50% de sua receita, gerando excedentes comerciais absurdos. A China produz assim uma espécie de “buraco negro”. Como os países exportadores de matéria-prima, ainda que ela a importe, a China faz flutuar na economia mundial ativos líquidos consideráveis.

É esse o quadro dentro do qual a crise dos subprimes precisa ser analisada. Os excedentes petroleiros e chineses buscaram contrapartidas. Wall Street os forneceu, inventando, apesar do longo prazo, meios inéditos de endividar os Estados Unidos. Costuma-se atribuir a crise à política monetária excessivamente indulgente de Alan Greenspan e às tentações constituídas pelos bônus pagos por Wall Street. Essas críticas não são infundadas, mas nos dois casos o pano de fundo é bem mais largo. Os abundantes ativos líquidos são a manifestação dos novos desequilíbrios do mundo, e os bônus, a expressão de um novo espírito do capitalismo. Coisas que não desaparecerão da noite para o dia.

E o que isso se tornará, a curto prazo? Agora que a bolha do crédito estourou, os americanos deverão recomeçar a poupar, o que significa que a demanda interna não deverá voltar a crescer tão cedo nos Estados Unidos. A crise chegou a uma solução instável, mas sem oferecer alternativas. Portanto, das duas coisas, uma. Ou novas bolhas de crédito substituirão aquela que acaba de estourar (por enquanto são os déficits públicos que exercem esse papel), ou o crescimento mundial permanecerá medíocre, por falta de saídas para absorver os excedentes chineses e petroleiros. Nos dois casos, novas desilusões se preparam… 1929 foi evitada, mas o veneno que deu origem a essa crise continua a agir.

Fonte: http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/lemonde/2009/09/01/ult580u3900.jhtm